segunda-feira, outubro 31, 2005

Torna-me Pura (mas não agora)



Chegará o dia da profecia
Não me interessa a espera
Em que transcenderei o branco
E mais pura que ele serei

Vestirei de novo as asas
Que há tempos na rua perdi
Por um coração que manda
Mais do que a própria razão

Deus (mesmo sem em ti crer)
Peço-te, dá-me mais tempo
Torna-me pura como o linho
Mas não agora, pois quero...

Quero chorar impuras lágrimas
Vermelhas de sangue derramado
Quero viver o mundo, sentir o seu pulsar
Ser uma e só uma com a Terra

Deixei há muito de rezar
Espero que o poema baste
Digo-te, torna-me pura
Mas não agora, dá-me tempo...

Deixa-me fazer disparates
Ser livre como o vento, a sua feição
Diaba contida nas diabruras
Chama acesa no coração.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Orador...

(esta Filosofia tem-me dado cá uma inspiração - obrigada stôr por me deixar estar a escrever estes textos durante a aula)


O colarinho apertado
A toga incólume, branca
Os tempos podem mudar
Mas só muda a roupa

É o mesmo sentimento, de sempre
O coração transpira sangue
Os gritos da multidão ecoam
Na cabeça do concentrado orador

Aproxima-se do púlpito
As pernas tremem-lhe
O coração galopa rapidamente.
E a multidão? Essa grita.

A mente corre-lhe veloz
Bolas de Fogo saltam-lhe
Dos olhos em chamas
E começa: "Caros ouvintes..."

terça-feira, outubro 25, 2005

Actor....




O actor é um mentiroso,
diz um dia que é rei,
no dia seguinte é ladrão.
Mas afinal em que é que ficamos?

Depois pega numa peruca
E vira Adamastor enfurecido
Aiiii! Que susto me pregaste!
Para que te vestiste de Drácula?

Que confusão! Pára por um bocado!
Estou farta de te ver de toucado
Tal nobre famoso na corte francesa
Ou a da polida inglesa (quem sabe?)

Esse sim, não tem mal
Nobre cavaleiro, assim gosto
Onde está o teu cavalo de pau?
Deixaste-o perto de alguma princesa?

Actor, humano de mil caras
Que representas a ficção
Melhor do que nós a vida
Deixa-me no mar dos sonhos...

Sobe ao palco, rápido, as
Pancadas de Moliére já soaram
Três pancadas secas e
A magia do Teatro vai começar....

segunda-feira, outubro 17, 2005

Para: Céu, Nuvem Filosófica, Lugar 1




Ei Sócrates!
Estás a ouvir?
Sim, aqui em baixo.
Quero falar contigo.

Sabes que abanaste o mundo
Pela primeira vez, com as tuas conversas?
E ainda o abanas, e se ele abana...

Puseste o mundo a pensar
Será que o podes fazer outra vez?
Estou farta de ver clones
Que se sujeitam a tudo sem se queixar.

Onde está Platão?
Está contigo? E Nietzsche?
Ajudem os jovens, por favor.
Abalem-nos o pensamento.
Para continuarmos o que vocês começaram.

Nota: Dedicado aos meus professores de Filosofia (10º e 11º anos), que me abalaram e abalam o pensamento. São os responsáveis pela minha "paixão" pela Filosofia. Obrigado.

quarta-feira, outubro 12, 2005

O Tango da Morte




Um sonho, uma fantasia
Saem trémulos do pincel
Surgem dois corpos enrolados
Numa dança caliente.

José chora, Maria delira
O calor queima-lhe a lucidez
Ela apenas dança e dança
Rodopios de cor na tela branca

Desconhece a causa da sua loucura
Mas José conhece-a e muito bem
Rios de mágoa correm-lhe dos olhos
Dançam o último tango...o tango da morte

E numa pincelada de preto
Encoberta pela sombra da mão
A pintora, qual deusa selvagem
Pinta-lhes o destino em alva tela.

Nota: Dedicado a ti pipa. Parabéns

sexta-feira, outubro 07, 2005

Os Loucos de Lisboa




(inspirado na canção “Os Loucos de Lisboa” da Ala dos Namorados á qual pertence a quadra do fim do texto)


Deu-me na cabeça começar a pensar no mundo dos pequenos. Como é bom viver na ignorância. Sem preocupações, sem medo do futuro.
Ouvia neste momento a minha amiga Sara que acabava de ser mãe há um mês. Falava-me dos problemas da pequena Carolina (cólicas e outros assim) e eu só me afundava na visão que tinha em miúda da minha Lisboa. Ela não foi minha desde sempre, vivi em Mafra até aos 12 anos mas os meus pais, em busca de melhor trabalho, trouxeram-me com eles. Agora, quinze anos depois, Lisboa é minha e eu sou de Lisboa.
Caminho agora com a Sara pelo Chiado. Ela fala-me de problemas e preocupações e eu, fingindo ouvir (com o tempo tornei-me mestra na arte de bem saber fingir ouvir), deixo-me absorver pela inebriante magia que o Chiado emana.
Sentamo-nos numa mesa da “Brasileira”, um dos cafés mais emblemáticos de Lisboa. A Sara parou por momentos de falar na pequena Carolina e prendeu a minha atenção.
- Joana, já viste o ar andrajoso daquele homem que está a olhar para nós? – disse, apontando discretamente um homem que estava sentado no muro que ladeava a entrada do estação de metro da Baixa-Chiado.
- Qual é o problema? – respondi.
- Deixa-me desconfortável. – continuou a Sara – Detesto quando gente desconhecida me fixa.
- Ora, não ligues. Deve ser louco. – finalizei.
Enquanto a conversa durava não deixei de divagar em que pensaria o “louco” enquanto olhava para nós. Desenhava indefinidamente num pequeno bloco (perguntava-me o quê). E pensei. Viver sem rumo, sem lugar nem posses é viver em liberdade. Sorri para o “louco”, ele retribuiu o sorriso. “Os loucos dão outro colorido à cidade” pensei “ O que seria de Lisboa sem o senhor do adeus?” O sorriso do “louco” era sincero, via-se. Olhei para a estátua do Fernando Pessoa e pensei, ele foi o louco do tempo dele, agora é celebrado. Mário Viegas foi o louco mais sério e brincalhão que existiu (Ainda bem que a Companhia Teatral do Chiado dá continuação ás suas loucuras....)
Enfim, Lisboa construi-se com os seus “loucos”. Eles são parte de Lisboa e Lisboa é parte deles.
Sara parou a conversa.
- Que é? – perguntei.
- Tenho de ir ter com a avó da Carolina. Deixei a Carolina lá e tenho de ir dar-lhe de mamar. Adeus Joana. Adorei falar contigo. – disse ela.
Saiu apressada em direcção ao metro. Quando me voltei para ver o “louco” ele também se tinha ido embora. Deixou uma folha no lugar onde estava. Paguei a conta, o café e peguei na folha.
Surpresa das surpresas, era o meu rosto desenhado na perfeição. Junto estava rabiscado o velho ditado: “De génio e de louco todo o mundo tem um pouco. Para os olhos mais sinceros e curiosos que alguma vez vi. Ass: O Louco”
Ri-me, meti o papel na minha mala e segui errante pelo Chiado, cantarolando:

“São os Loucos de Lisboa
que nos fazem duvidar.
A terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar.”